Recentemente, o caso da rede varejista Havan ganhou repercussão nacional ao divulgar, em suas redes sociais, vídeos com imagens de pessoas suspeitas de furto em suas lojas. As postagens faziam parte de uma campanha intitulada “Amostradinhos do mês” e alcançaram milhões de visualizações antes de serem removidas.
Mas será que essa prática é legal à luz da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)?
Neste post, vamos analisar tecnicamente o caso e os principais pontos de transgressão à LGPD.
🔍 1. O que diz a LGPD sobre imagens?
A LGPD considera como dado pessoal qualquer informação relacionada a uma pessoa identificada ou identificável (art. 5º, II). Isso inclui imagens de rosto, mesmo sem nome ou outros dados explícitos.
Logo, ao publicar esses vídeos, a empresa estava realizando tratamento de dados pessoais — o que exige base legal válida.
⚖️ 2. Qual base legal justificaria essa divulgação?
Entre as dez bases legais previstas no art. 7º da LGPD, nenhuma parece sustentar a publicação dessas imagens, com exceção — discutível — do legítimo interesse.
Porém, mesmo essa base exige que o tratamento não viole direitos e liberdades fundamentais dos titulares dos dados — o que claramente ocorre ao expor publicamente pessoas ainda não julgadas, causando constrangimento e prejuízos morais.
Além disso, o legítimo interesse deve ser documentado em um Relatório de Impacto à Proteção de Dados (DPIA), o que não foi evidenciado pela empresa.
⚠️ 3. Princípios da LGPD que podem ter sido violados
A LGPD impõe princípios que devem guiar todo tratamento de dados. No caso da Havan, possivelmente foram violados:
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Finalidade: a exposição extrapola a segurança interna e passa a atuar como punição pública;
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Adequação: usar redes sociais para coibir furtos não é uma prática proporcional ou legítima;
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Necessidade: existiam meios menos invasivos, como o encaminhamento à polícia;
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Segurança e prevenção: ao tornar públicos os dados, aumentam-se os riscos à integridade e imagem do titular;
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Não discriminação: expor uma pessoa suspeita de furto pode causar estigmatização e preconceito.
🛡️ 4. Presunção de inocência: um direito constitucional
Mesmo que a LGPD não trate diretamente de aspectos penais, o caso também afronta princípios constitucionais:
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A presunção de inocência (art. 5º, LVII da CF) garante que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado;
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O direito à imagem e honra (art. 5º, X da CF) é protegido contra exposições indevidas.
Publicar vídeos de suspeitos, sem decisão judicial, antecipa o julgamento público e pode configurar dano moral coletivo e individual.
🧾 5. Medida preventiva da ANPD
Diante da repercussão, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) recebeu uma denúncia do Ministério Público de Santa Catarina e determinou a suspensão imediata da publicação desses vídeos, de forma preventiva. A Havan removeu o conteúdo e apresentou recurso, que ainda será analisado.
A ANPD, conforme o art. 52 da LGPD, pode aplicar sanções como:
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Advertência;
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Multa de até 2% do faturamento (limitada a R$ 50 milhões por infração);
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Bloqueio ou eliminação dos dados;
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Suspensão ou proibição parcial da atividade de tratamento de dados.
📌 6. Conclusão
Mesmo que a intenção fosse coibir furtos, a exposição pública de pessoas suspeitas, sem amparo legal e sem julgamento, configura uma violação clara à LGPD e à Constituição.
A segurança patrimonial deve ser exercida de forma legítima, com apoio das autoridades policiais, preservando os direitos fundamentais dos cidadãos.